segunda-feira, 26 de abril de 2010

Textos para o curso de Interpretação bíblica - IB Heliópolis - Págs. 3 e 6

BREVE HISTÓRICO DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA 

A ALEGORIA
Após a morte dos apóstolos, os líderes da igreja (pastores e bispos) foram chamados “Pais da igreja” ou “Pais apostólicos”. Sua época ficou conhecida como a era pós-apostólica. Vai do século II ao século V.
Foi uma época de debates acalorados em teologia e  concílios ecumênicos para resolver questões doutrinárias.
O exame das escrituras era feito em latim (Vulgata—tradução do Velho Testamento para essa língua) e nem todos os escritos do Novo testamento eram considerados inspirados.
No ano 367 d.C., a primeira listagem conhecida dos 27 livros do Novo Testamento já é do conhecimento de todos.
Uma das questões centrais debatidas era como a igreja cristã poderia interpretar as profecias, instituições e personagens do Antigo Testamento de forma a refletir a Cristo.

Surgem duas linhas diferentes de interpretação:
1) A primeira, situada na cidade de Alexandria (Egito) interpreta a Bíblia de forma alegórica.
2) A segunda, surgida em reação à primeira na cidade de Antioquia, é mais voltada para o sentido literal do texto bíblico.
Alegorizar é o mesmo que dar um sentido espiritual ao texto literal. Esse sentido oculto do texto seria descoberto “apenas” por pessoas especiais ou espirituais. 

Exemplo literário da escola de Alexandria:
Epístola de Barnabé (cap. 6 — Nova criação)
Que lhes diz Moisés, outro profeta? "Eis o que diz o Senhor Deus: Entrai na terra boa, que o Senhor prometeu a Abraão, Isaac e Jacó. Tomai posse dessa terra, onde correm leite e mel." O que diz a sabedoria? Aprendei: "Ponde vossa esperança em Jesus, que deve revelar-se a vós na carne." Com efeito, o homem é terra que sofre, pois é da terra que Adão foi plasmado. Que significa: "Na terra boa, terra onde correm leite e mel"? Bendito seja nosso Senhor, irmãos, pois ele pôs em nós a sabedoria e o entendimento de seus segredos. (...) Depois de nos ter renovado com o perdão dos pecados, ele fez de nós um novo ser, de modo que tenhamos alma de criança, como se ele nos tivesse plasmado novamente. De fato, a Escritura fala a nosso respeito, quando ele diz ao Filho: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que eles dominem sobre os animais da terra, as aves do céu e os peixes do mar." E, vendo que nós éramos boa criação, o Senhor disse: "Crescei, multiplicai-vos e enchei a terra." Foi isso que ele disse ao Filho. Vou agora te mostrar como ele fala de nós. Ele realizou segunda criação nos últimos tempos. O Senhor diz: "Eis que faço as últimas coisas como as primeiras." Nesse sentido, assim falou o profeta: "Entrai na terra onde correm leite e mel, e dominai-a." Eis-nos, portanto, criados de novo, conforme o que ele diz ainda por outro profeta: "Eis", diz o Senhor, "que arrancarei deles" - isto é, daqueles que o Espírito do Senhor via de antemão - "os corações de pedra, e implantarei neles corações de carne." De fato, é na carne que ele devia manifestar-se e habitar em nós. Com efeito, meus irmãos, nossos corações assim habitados formam um templo santo para o Senhor. E o Senhor diz ainda: "Como me apresentarei diante do Senhor e serei glorificado?" Ele diz: "Celebrar-te- ei na assembléia de meus irmãos e cantarei teus louvores em meio à assembléia dos santos." Portanto, somos nós que ele fez entrar na terra boa.         E o que significam o "leite" e o "mel"? E porque a criança é nutrida primeiro com o mel e depois com o leite. Igualmente nós, alimentados pela fé na promessa e na palavra, vivemos dominando a terra. Ora, ele tinha dito antes: "Que eles cresçam, se multipliquem e dominem os peixes." E quem pode hoje dominar as feras, ou os peixes, ou os pássaros do céu? Devemos compreender que dominar implica poder, a fim de que aquele que ordena possa dominar. Se hoje não é assim, ele nos disse o tempo: Quando formos perfeitos para sermos herdeiros da aliança do Senhor. 
Os principais representantes desta escola são:
● Clemente de Alexandria (150 a 215 d.C.) - ele buscava identificar o sentido oculto das escrituras para harmonizar os dois Testamentos.
● Orígenes, que era discípulo de Filo e um estudioso erudito (185 a 283 d.C.) - ele dizia que a Bíblia contém segredos que somente a mente espiritual pode compreender e que o sentido primário da Bíblia é o espiritual”, que às vezes é obscurecido pelo sentido literal.

Orígenes propõe um sentido tríplice e progressivo de interpretação:
1. Carne — a interpretação literal.
2. Alma — Aqueles que fizerem algum progresso na vida cristã e começam a discernir além do óbvio.
3. Espírito — a interpretação, própria dos que são “espirituais”.

Embora tenha sido um avanço para a sua época, tal sistema de interpretação acarreta vários problemas. Posso citar 3 deles:
 1) Diminui o caráter histórico da revelação bíblica
 2) Fica à mercê do subjetivismo
 3) Cria categorias de pessoas que podem ou não interpretar a Bíblia.

Obs.: Não confundir ALEGORIA com PARÁBOLA (Embora existam textos em forma de alegoria no AT: Sl 23.1-4; Sl 80.8-16).
A alegoria é típica do pensamento greco–romano; a parábola tem sua origem no pensamento semítico.
Uma parábola usa como ilustração um fato comum do dia-a-dia e são facilmente compreendidas por qualquer pessoa que as ouça. A verdade transmitida é percebida por causa da proximidade com o cenário descrito.
Há, também, histórias contadas em forma de parábolas. Refere-se a um acontecimento em particular que teve lugar no passado, geralmente, a experiência de uma pessoa.
Na Idade Média, Hugo de S. Vitor (1096 a 1141 d.C.), por exemplo, alegorizou a parábola do bom samaritano:
Jerusalém significa a  "contemplação das coisas do alto"; quanto à viagem, esta significa “o pecado”, e Jericó "a miséria mundana", ou mesmo “o inferno”; os ladrões são “os demônios"; O samaritano representa “o próprio Cristo”...

A INTERPRETAÇÃO LITERAL
A escola de Antioquia da Síria surgiu como resposta à alegorização das Escrituras, no início do século IV. Sua ênfase era o sentido literal da Bíblia.
Seu fundador foi Luciano de Samosata (240 a 312 d.C). Fazia o melhor uso dos “originais” (texto grego do Novo Testamento). Foi martirizado por tortura e fome, por se recusar a comer carnes sacrificadas a ídolos.
Princípios hermenêuticos:
1. Sensibilidade e atenção ao sentido literal do texto (início do esforço histórico-gramatical que caracteriza a interpretação bíblica da Reforma e de hoje).
2. O conceito de theoria (intuição ou visão em que o profeta poderia ver o futuro através das circunstâncias presentes) em oposição à alegoria.
3. Sem negar a presença da linguagem metafórica, afirmavam a historicidade das narrativas do Antigo testamento e, em seguida, procuravam descobrir o sentido teológico da mesma.
4. Procuravam pela intenção do autor (sentido das palavras no seu contexto)
5. Rejeitavam descobertas arbitrárias de cristo no Antigo Testamento (ou seja, negavam que cada palavra, evento, número, personagem ou instituição fossem interpretadas alegoricamente para encontrar uma alusão a Cristo).
A força da interpretação alegórica (inclusive em alguns escritos dos antioquianos) jamais deixou de ser sentida.
Sua rigidez acabou por produzir uma tipologia cristã muito pobre...
Nunca foi o método de interpretação mais aceito, embora sua influência tenha extrapolado a cidade de Antioquia.
Os estudiosos da igreja que escreveram em latim (Pais latinos), cuja influência se perpetuou nos séculos seguintes, seguiram via de regra um sistema de interpretação semelhante ao desenvolvido pelo antioquianos.

A HERMENÊUTICA DOS PAIS LATINOS (SEC. IV E V)
Tertuliano (formado em direito romano), Jerônimo (tradutor da Vulgata), Agostinho (filósofo), Ticônio e Ambrosiaster são os mais relevantes.

1) Favorecem a interpretação literal das Escrituras
2) Dão atenção ao contexto histórico da passagem
3) Algumas vezes, alegorizam o Antigo Testamento (Agostinho tinha como convicção que o Novo Testamento encontrava-se oculto no Antigo e que o Antigo Testamento era iluminado pelo Novo Testamento)
4) Segndo eles, as passagens mais obscuras devem ser interpretadas à luz das mais claras (por causa da unidade das Escrituras)
5) Harmonia com a regra da fé da igreja (a tradição da igreja tornava a interpretação uma ação “fechada” ao círculo de mestres e doutores)
Ocorre o uso institucional da Bíblia — O modelo ATA (Alegoria, Tradição, Autoridade) estabelece um conceito de Bíblia que o vincula a uma interpretação tradicional construída dentro da possibilidade hermenêutica de várias interpretações estruturalmente equivalentes, segundo a metodologia que pressupõe, e que apenas se mantém não como recurso ao texto da Bíblia, mas à autoridade da Igreja.
A partir de Tertuliano, ser cristão é submeter-se a uma instituição hierárquica, estruturada por um código canônico tradicional, por uma tradição inconteste – que deve ser e manter-se incontestável.
A Igreja é possuidora legítima da fé; a ela pertencem também as Sagradas Escrituras. Os hereges não têm direito algum de precisar o sentido das Sagradas Escrituras. A regra de fé, isto é, a doutrina das Igrejas apostólicas, determina qual o âmbito e o conteúdo da fé.


DA IDADE MÉDIA AO SÉC. XX
Para uma boa interpretação bíblica, o texto tinha que ter quatro níveis de significação:
A letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram (histórico)
A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé (alegórico)
O significado moral dá-nos as regras ocultas da vida diária (tropológico)
A anagogia mostra-nos aonde termina a nossa luta (anagógico)

REFORMA PROTESTANTE
Influência da Renascença... A Renascença que teve início na Itália reavivou o interesse pela literatura clássica, incluindo o hebraico e o grego. Durante a Reforma a Bíblia passou a ser a única fonte legítima para nortear a fé e a prática. Os reformadores utilizavam como base o método literal que a escola de Antioquia. Afirmavam que não era a igreja que determinava o que as Escrituras ensinavam, mas tinha que acontecer ao contrário, isto é, as Escrituras que determinavam o que a igreja deveria ensinar. Surgiram dois princípios fundamentais:
1) Scriptura scripturae interpres (Escritura é intérprete da Escritura);
2) Omnis intellectus ac expositio Scripturae sit analogia fidei (Toda compreensão e exposição da escritura seja de acordo com a analogia da fé).
Lutero acreditava que a fé e a iluminação do Espírito Santo eram requisitos indispensáveis para o intérprete da Bíblia. Para ele, a Bíblia deveria ser vista com olhos diferentes dos que olham para qualquer outra literatura. Rejeitou o sentido quádruplo de interpretação, o qual predominou no período medieval e ressaltou o sentido literal (sensus literalis). Lutero prestou um grande serviço à nação alemã ao traduzir a Bíblia para o alemão vernáculo.

PREDOMINÂNCIA DO MÉTODO HISTÓRICO-GRAMATICAL
 Philip Melanchthon (1497-1560) - Era um profundo conhecedor do hebraico e do grego, por isso era um intérprete admirável e prudente. Tinha como princípios para a sua exegese que as Escrituras deviam ser entendidas gramaticalmente antes de serem teologicamente e que as mesmas têm um simples e determinado sentido.

CALVINO
A virtude do intérprete era "permitir que o autor diga o que realmente diz, ao invés de lhe atribuirmos o que pensamos que devia dizer". Preferia fazer a exegese do que a eisegese. Sua frase predileta era A Escritura interpreta a Escritura, por isso se apegou à exegese gramatical e ao contexto de cada passagem.

RELAÇÃO CONFLITIVA COM A IGREJA CATÓLICA
 Reforma foi realmente uma revolução que mexeu com muita gente e teve grandes repercussões. Todavia o maior problema não foi a Reforma em si, mas os seguidores de Lutero, Calvino, Zwínglio e etc; porque se preocuparam em atacar a Igreja Católica Romana, ao invés de continuarem a seguir a ênfase dada à fé e a revelação para a interpretação.

PLURALIZAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO: O CONFESSIONALISMO (DOGMATISMO)
Usar a Bíblia como texto-prova. Como já foi visto, os protestantes estavam divididos, isto é, havia muitas facções e cada uma procurava uma forma de defender a sua opinião apelando para as Escrituras. Quase todas as cidades importantes tinham o seu credo predileto, juntamente com as controvérsias teológicas. Os métodos hermenêuticos neste período estavam se tornando escravos da dogmática.

O MOVIMENTO PIETISTA (Sec. XVII)
O pietismo contribuiu muito para o estudo das Escrituras. Eles tinham tanta vontade de
entender e de se apropriar delas que, em alguns momentos, apreciaram a interpretação
histórico-gramatical. Os mais recentes a descartaram e passaram a depender de uma luz
interior ou uma unção do Santo. O problema dessas manifestações subjetivas e de suas
reflexões piedosas provocaram muitas interpretações contraditórias até mesmo com a
vida do autor. Este fato de terem a edificação como alvo tão desejado os levou a desprezar a ciência. Dentro de sua ótica o estudo gramatical, histórico e analítico da Palavra de Deus produzia apenas o conhecimento externo e superficial do pensamento divino, enquanto que o que tirava conclusões para a repreensão e o que consistia em oração e lamentação penetrava no âmago da verdade.

DESDOBRAMENTOS DO RACIONALISMO
Surgiu como importante modo de pensar, com o intuito de criar um profundo efeito sobre
a teologia e a hermenêutica, porque era uma posição filosófica que aceitava a razão como
única autoridade que determinava as ações de alguém. Como movimento durou cerca de
100 anos. João Ernesti que foi o fundador da escola gramatical de interpretação; João Semler que foi o fundador da escola histórica de interpretação bíblica e considerado o pai do racionalismo.

LIBERALISMO E NEO-ORTODOXIA (tentativas de adequar a fé à razão)
- 2º guerra mundial
-desilusão em relção ao homem
-evangelho social
-subjetivismo

O século XX abrigou muitas correntes de interpretação bíblica, entre elas havia a escola
liberal que apresentava Jesus como um grande mestre de ética, ao invés de Salvador.
Neste período surgiram alguns estudiosos que chegaram a negar totalmente o caráter
sobrenatural da inspiração; outros não a mencionavam como sendo uma iluminação de
Deus sobre os seus autores. Para alguns a inspiração estava ligada à capacidade da
Bíblia em inspirar uma experiência religiosa, sendo que a Bíblia fora produzida por
humanos.

A neo-ortodoxia teve alguns aspectos intermediários entre o liberalismo e a ortodoxia e
foi um fenômeno do século XX. Ela acabou com a idéia de que a Bíblia era fruto da mente
religiosa humana, mas também não concordava que as Escrituras fossem um fruto
somente divino. Para eles as Escrituras registram o testemunho do homem a respeito da
revelação que Deus faz de si mesmo. A Bíblia é vista como um compêndio de sistemas teológicos as vezes conflitantes, acompanhados por diversos erros fátuos. Desta forma há uma negação por parte deles às questões relacionadas a infalibilidade e a inerrância. Todos os fatos históricos referentes ao sobrenatural e ao natural são vistos como mitos, a saber, não ensinam a história literalmente. Já os mitos bíblicos (criação, ressurreição) mostram as verdades teológicas na forma de incidentes históricos.

Uma citação de um site que se pretende "racionalista":
"A evolução desbanca a criação do homem. Isso nos leva a concluir que o pecado original é um conto fantasioso. Se não houve o pecado original, então toda expiação fica sem sentido. Se a expiação não faz sentido, então a idéia de um Salvador que  morreu por nós na cruz cai por terra. E, com isso, os 2000 anos de cristianismo se tornam apenas o que é, uma história de ignorância e fé num falso mito perpetuada através de guerras e perseguições, intolerância e fanatismo, uma grande farsa sustentada através do medo e da culpa, a Grande Farsa Cristã."
(http://www.mphp.org/religiao-e-seitas/a-grande-farsa-crista..html)

____________________
LIVROS CONSULTADOS:
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica, meios de ... SP: Vida Nova, 1997. p.
VIRKLER, Henry A. Hermenêutica, Princípios e Processos de Interpretação Bíblica. SP:
Vida Nova, 1996. Tradução de 'Hermeneutics - Principles and Processes of Biblical Interpretation'. 197p.
BERKHOF, Louis. Princípios de interpretação bíblica. Trad. de Merval Rosa. 4a ed. RJ: JUERP, 1988. Tradução de 'Principles of Biblical Interpretation'.

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